A Irene Adler do Moffat
Após o tragicamente ruim especial de natal de Doctor Who, começaram milhares de
discussões sobre a qualidade da escrita de Steven Moffat. Obviamente, Sherlock entrou no meio, e eu vi muitas
críticas pesadas em relação ao roteiro da série. Como sou uma fã ligeiramente
obcecada, eu fiquei bem chateada ao ver muitos desses comentários – e, mais
irritante ainda, ao concordar com vários, especialmente as que
envolvem Irene Adler.
Para quem não conhece, Adler é uma personagem dos livros de
Sherlock Holmes. Ela é uma das poucas pessoas que derrotou o grande detetive, e
geralmente a mais recordada por ser a única desse grupo que pertence ao sexo
feminino. Irene aparece em apenas um conto – Um escândalo na Boêmia – mas é uma das figuras mais fortes do
Cânone.
Esse conto foi exatamente a primeira história Holmesiana que
eu li, e lembro muito bem da risada de alegria que deu ao ver que o mocinho
tinha falhado em terminar seu caso, e de uma maneira bem simples, alias. A
partir daí, virei muito fã de Irene, uma personagem feminina verdadeiramente
forte, que se vira sozinha para sobreviver e faz as suas próprias escolhas, e
NÃO o grande amor de Holmes. Até porque 1) ela tinha seu próprio homem e 2) é
dito no 1º parágrafo do conto que Sherlock sentia não amor, mas uma profunda
admiração por aquela que conseguiu fazê-lo de idiota.
Infelizmente, a maioria das adaptações preferem pegar o nome
dela e construir um personagem totalmente diferente: ainda esperta – mas não
tanto quanto Sherlock, lógico – e com o principal objetivo de ser o seu
interesse romântico. Mesmo a fidelíssima série de 80 Granada fez questão de
sutilmente colocar essa inclinação amorosa. Então, por mais original que fosse
o programa da BBC, eu não esperava algo diferente quando fui assistir A Scandal in Belgravia.
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Ok, agora sim, falemos dessa versão lindamente interpretada por Lara Pulver |
Eu a considero uma ótima adaptação até certo ponto. Ao
contrário de muita gente (muita gente mesmo),
gostei do emprego que Moffat selecionou para ela: uma dominatrix, alguém que é paga para ter um papel dominante em práticas BDSM. Quem não gostou geralmente diz que isso a desmerece, que essa profissão a rebaixa de maneira deprimente e sexista. Eu penso de
maneira diferente.
É bom lembrar que a Irene original era uma atriz. Na era
vitoriana, trabalhar nesse ramo sendo mulher era considerado algo absurdo, algo indecente. Atrizes eram rejeitadas pela alta sociedade, vistas como gente transgressoras, exageradas; não eram consideradas "mulheres direitas" mas, muitas vezes, putas. Colocá-la como uma dominatrix meio que atualiza essa visão, dando a ela uma posição na sociedade meio que equivalente às atrizes na época original
Outra coisa – eu não vejo desmerecimento nenhum em
trabalhar com sexo, então não consigo ver como esse detalhe poderia desmerece-la. Na
verdade, eu sinceramente acho que deveria existir mais personagens como essa
Irene por aí; mulheres com total confiança de sua sexualidade, que tem esse
tipo de trabalho mas não é considerada inferior por isso.
Tem também a cena em que ela é introduzida a Sherlock, completamente nua. Comentários não faltam dizendo que essa cena foi nudez gratuita; eu sinceramente acho que quem pensa isso não assistiu direito ao episódio. Ela decidiu "usar esse vestido de batalha" não só para causar uma impressão, como diz o próprio Sherlock, mas para desconcertá-lo. Ela sabe que ele não está acostumado a esse tipo de coisa, e eu realmente não vejo o problema em usar essa arma se for útil. Eu achei muito legal vê-lo falhar na dedução por falta de dados.
Tem também a cena em que ela é introduzida a Sherlock, completamente nua. Comentários não faltam dizendo que essa cena foi nudez gratuita; eu sinceramente acho que quem pensa isso não assistiu direito ao episódio. Ela decidiu "usar esse vestido de batalha" não só para causar uma impressão, como diz o próprio Sherlock, mas para desconcertá-lo. Ela sabe que ele não está acostumado a esse tipo de coisa, e eu realmente não vejo o problema em usar essa arma se for útil. Eu achei muito legal vê-lo falhar na dedução por falta de dados.
É uma pena que, quando o episódio chega ao final, Moffat
acaba com todo o brilho de Irene em menos de 5 segundos:
I AM SHERLOCKED...gente, eu acho esse trocadilho muito
legal, tenho uma camiseta com isso escrito. Mas preferiria que ele não existisse, pois foi o que transformou a Irene em mais uma mocinha babaca, que deixa os
sentimentos superarem o raciocínio. Mais, muito mais – tirou toda a glória que
ela deveria ter de “a mulher que derrotou Sherlock Holmes”.
Minutos antes dessa revelação, eu estava animada, pois tinha
sido implantada a ideia de que todos os flertes que ela tinha jogado para cima
de Sherlock não passavam de truques para ela conseguir as informações que
precisava, e isso seria um plot twist incrível.
Irene Adler, na cabeça de muita gente, é sim o one true pairing de Sherlock
Holmes, vide as adaptações que mencionei (especialmente os filmes com Robert Downey Jr).
Mostrar que ela, na verdade, nunca tinha se interessado romanticamente por ele
seria um tapa na cara da audiência – até da minha!
Mas não. Moffat decidiu que o mocinho tinha que ganhar.
Sherlock Holmes, perdendo em horário nobre para uma mulher? Que chato isso
seria, não? Vamos mostrar que ele é superior a isso tudo, mulher sempre perde
para os sentimentos, mesmo...
E assim ficou. Adler, uma pessoa tão inteligente, que sempre
soube se virar e passar por cima de qualquer um, que venceu o detetive consultor de diversas maneiras ao londo do episódio, perdeu porque agiu no final com a
cabeça de uma adolescente de 15 anos, e não como uma profissional. Era para ela
ter rido da cara dos irmãos Holmes e saído vitoriosa, mas foi ridiculamente
derrotada.
Ainda tem a questão de ela, no final, também não passar de um peão para Moriarty brincar com Sherlock. Ela, ao contrário do conto original, não estava trabalhando sozinha, e precisou da ajuda de outra pessoa para fazer aquilo tudo. Eu acho que nem teria tanto problema com isso se não fosse tão batido e desnecessário ele e Irene serem comparsas...
Ah, como eu poderia esquecer - e a queda da Irene de badass para damsel in distress?? Eu nem consigo comentar direito sobre isso de tanta raiva; cara, quantas dessas a gente já não tem por aí? Por que mais uma? Por que logo ela??
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É um detalhe pequeno? Parece que sim, mas não é.
Especialmente para os fãs do Cânone. Tudo o que eu tenho a fazer agora é
continuar a tentar ignorando esse final na medida do possível e a agradecer
porque 1) existem fanfictions e 2) Moffat não é o único showrunner do seriado.
Nós estamos vendo em Doctor Who que
ele não tem medo de contrariar o material original e que tem dificuldades
em desenvolver personagens durante uma temporada inteira. Sabe-se lá o que
seria de Sherlock se ele também
tivesse controle total com esse...
Enfim, apesar de tudo o que eu falei, apesar dos outros
erros de roteiro que Sherlock possui, esse ainda é o meu seriado favorito ever,
e eu não vou deixar de amá-lo. Eu posso ver criticamente e surtar com todos os
episódios ao mesmo tempo. Também posso sair correndo de alegria por poder dizer
que
FALTAM QUATRO DIAS PARA A TERCEIRA TEMPORADA
PS: um texto melhor sobre essa minha visão da Adler aqui (em inglês).
Concordo com absolutamente tudo que você disse! Descobri seu blog hoje e já tô amando ele <3
ResponderExcluirObrigada! ^_^ sinta-se à vontade por aqui! o/
ExcluirNem acompanho a série, mas curti o texto. Me parece uma porcaria uma descaracterização de um personagem assim.
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