Andei assistindo: Confiar



Uma vez que eu passo uma considerável parte dos meus dias na internet, conversando com pessoas que nunca conheci pessoalmente e provavelmente nunca irei, histórias que contam dramas originados na rede sempre me interessam. O último livro que eu li sobre o assunto teve a ver com relações amorosas não correspondidas. Já este filme é algo bem mais pesado e polêmico, em que Annie, uma adolescente de apenas 14 anos, é seduzida por um amigo virtual, Charlie. Quando os dois finalmente se conhecem, a garota é estuprada pelo homem, 20 anos mais velho.

No geral, "Confiar" é um filme até mediano. Não há nada de verdadeiramente excepcional; as atuações são boas, o roteiro bem feito. Se bem que eu odiei que alguns detalhes inseridos na história, como o bullying que a menina sofre por causa do ocorrido, são abandonados em pouco tempo. O que eu curti foi a história contada de maneira bem realista, com investigações policiais correndo por anos sem conseguirem ser resolvidas e um final que não poderia ser melhor. 

Vi muitos reclamando que ficou muito em aberto, mas era assim que tinha que ser mesmo. Quantos casos desses são resolvidos de fato da noite para o dia, como acontece em seriados policiais? E quantos desses criminosos não se escondem sobre uma fachada de gente normal, com família e tudo mais? Por mais que isso seja óbvio, tendemos a ver pessoas desse tipo como se elas realmente agissem como monstros em período integral.   

O que eu curti mesmo nesse filme foram os questionamentos que ele deixou na cabeça. O que é estupro, afinal? Costuma vir à cabeça (pelo menos à minha) de uma violação sexual baseada completamente na força física. Mas nem sempre é assim. Ao trabalhar com o psicológico da vítima, o criminoso desse filme conseguiu usá-la de uma maneira calma, digamos assim, sutilmente persuadindo-a a fazer qualquer coisa, sendo incrivelmente bem-sucedido. Ela faz tudo praticamente sem questionamentos, e por isso vi comentários sobre como "aquilo nem foi estupro mesmo" e "que Annie foi a verdadeira culpada". NÃO é assim que as coisas funcionam. Por mais que ela o amasse, ela não queria aquilo. Só continuou pela confiança imensa que ele conquistou sobre a garota. 

Logo no começo do filme a gente percebe que ela não é idiota ao bloquear num chat alguém que tentou dar em cima dela. E, já na metade, temos um vislumbre de suas conversas com Charlie, e de inocente ela não tem nada. Mas é ingênua. Todos aqueles momentos teclando com ele a deixaram apaixonada demais para ela sequer pensar em desobedecer o homem. Apesar de viver em uma família normal e feliz, a falta de atenção e de conversas que Annie sofria foram substituídas por mensagens carinhosas e atenciosas por aquele desconhecido que nem vivia em seu estado. Não foi à toa que a garota o tenha defendido mesmo após o que ocorreu. Menos ainda que ela só deu importância à gravidade da situação quando soube que houveram outras.

A sociedade ensina "não seja estuprada" ao invés de "não estupre".
O assunto do filme é tão pesado que eu tenho até receio em comentá-lo. É praticamente indispensável colocar para adolescentes assistirem nas escolas - e, obviamente, discuti-lo com eles depois. Quem é pai ou mãe também. E professores, pedagogos, qualquer um. O assunto é tenso, pesado, mas se for sempre evitado e nunca refletido, soluções para esses tipos de problema nunca surgirão.

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